segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

ASSIM O POVO REZA

MATÉRIA PUBLICADA NO DIÁRIO DE ITABIRA DO DIA 18 DE MAIO DE 2014

Editorial do jornal
A religiosidade mineira é feita de símbolos e alturas. Lá no Morro Redondo – a 1.224 metros de altitude –está, provavelmente, a mais alta das casas de reza de Itabira. Da porta dela, descortinam-se horizontes e os nossos interiores (as entranhas barrocas dessa nossa fé).
É feita de simbolismos a crença, na exata medida da compreensão possível de cada um de nós. Mas que santifica rezar no cascalho só quem já o fez pode testemunhar. Não é ato de fé, apenas de humildade – esse dom que só quem não diz o tem.
Lá naquela altura toda uma parte do povo itabirano construiu – com dificuldade e boa dose de obstinação – um lugar para nos reconhecermos no todo. É quase como se de lá pudéssemos
sussurar: aqui nos achamos.
Roneijober Andrade, ele mesmo parte daquela história que está sendo escrita lá, entendeu de registrar em imagens a Festa de Santa Cruz e as gentes até de outros lugares que nela se reconheceram (por termos todos a mesma fé barroca).
Poder publicar estas imagens e junto seus apontamentos é raro privilégio. Mais que registro de uma festa, elas são motivo de festa.


"O povo ajoelhava no cascalho e ficava rezando das três horas da tarde até as seis’

Uma festa religiosa não sobrevive mais de 100 anos por acaso. Só quem tem fé e vivencia a Festa de Santa Cruz é capaz de passar um pouco da emoção que sente ao estar no Morro Redondo. Como acontecia em décadas passadas, a festa deste ano, realizada dia 3 de maio, no Morro Redondo, em Ipoema, foi marcada por muita reza: terço, ladainha e o Ofício de Nossa Senhora. As rezas foram
conduzidas por integrantes da Guarda de Marujos Nossa Senhora do Rosário do bairro Água Fresca e o Coral do Bairro Santa Ruth.
Luiz “de Alvim” Evangelista, ex-zelador da Capela Senhor do Bonfim, acompanha a festa desde criança. “Antes, só havia lá um cruzeiro com um monte de pedra no pé dele, o povo ajoelhava no cascalho e ficava rezando das três horas da tarde até as seis. Não havia padre não, era só o povo.
Depois que construímos a capela, em 1989, é que os padres começaram a ir lá. Certa vez convidei um padre de Nova União para fazer a festa e nem acreditei quando o vi chegando montado num
cavalo”, relembra.

A festa foi abrilhantada pela Guarda de Marujos Nossa Senhora do Rosário, das comunidades rurais de Senhora do Carmo. Era esperada outra guarda de Itabira mas, devido a problemas com o transporte, ela não conseguiu chegar a tempo dos festejos.

Durante os festejos, o ipoemense Raimundo Inocentes Gomes, 90 anos, que trabalhou entre 1988 e 1989, juntamente com Juscelino de Castro (já falecido) e Luiz de Alvim na construção da Capela do
Senhor do Bonfim, foi homenageado, recebendo um exemplar do livro “Suor sagrado – Retratos das ações de fé em prol da cultura do Morro Redondo” – que conta, em imagens, a história daquela obra.

‘Quando cheguei ao topo do morro e vi aquela vista e o tanto que havia andado, senti uma enorme emoção’

Testemunhos de fé, caminhar os 13km que ligam Ipoema ao Morro Redondo não é tarefa fácil. A maior parte do percurso é de subida. Mas “a fé remove montanhas”. Os peregrinos caminham cinco horas, saindo de uma altitude de 600 metros para chegar a 1.224 metros.
Mesmo assim, várias pessoas sem preparo conseguem e sentem uma forte emoção pela conquista.
Teresinha Bethônico, itabirana que reside em São Paulo, foi uma das que se emocionaram: “É uma
renovação de fé! Mesmo sem nenhum preparo físico, fiz o caminho sem perceber a distância,
as dificuldades nas subidas. Quando cheguei ao topo do morro e vi aquela vista e o tanto que havia andado, senti uma enorme emoção e um imenso orgulho das minhas raízes mineiras”, contou.

‘Foi maravilhoso do início ao fim, todo mundo um preocupado com o outro, a gente fica cercada de carinho’

A servidora pública Simone Jales Dorneles, de Coronel Fabriciano, foi outra que venceu o desafio e já pensa no do ano que vem. Ela fez quase toda a caminhada sozinha, rezando para agradecer a Deus pela cura de sua filha, Juliana Jales, que teve câncer na mandíbula. “Não sou acostumada a longas caminhadas, sou sedentária, mas experimentei o ápice da emoção em participar da caminhada e da Festa de Santa Cruz. Foi maravilhoso do início ao fim, todo mundo um preocupado com o outro, a
gente fica cercada de carinho. Numa subida pensei em parar, tomei água, me dei um minutinho e tive as forças renovadas para seguir em frente. Foi um presente de Deus ter participado dessa caminhada, coloquei minha cruz enfeitada no meu cantinho de oração e me emociono só de olhar para ela, é indescritível”, revelou.

A bancária Katia Ribeiro, de Belo Horizonte, é acostumada a participar de longas caminhadas, mas também se emocionou: “Gostaria de agradecer à comunidade de Ipoema pela oportunidade de ter participado desta festa tão linda. Muito obrigada, de coração. Nunca me senti com uma energia tão boa quanto a dessa festa. No ano que vem, se Deus quiser, irei fazer a maior campanha para conseguir levar mais pessoas para participarem”.

Segurança e apoio

Apenas uma semana antes do evento, a comunidade de Ipoema foi informada da existência de um laudo do Corpo de Bombeiros, emitido há oito meses, desaconselhando, por questões de segurança, a realização de festas no Morro Redondo. A comissão da festa não poupou esforços para minimizar esse problema. Com apoio da Secretaria Municipal de Agricultura, da Administração Distrital e do Parque Estadual Mata do Limoeiro foram instalados mais guardacorpos no Morro Redondo. Também foram instaladas placas restringindo acesso em locais considerados perigosos.
Oito integrantes do Grupo de Voluntários de Ipoema - Guardiões do Morro Redondo ficaram em pontos estratégicos para orientar os visitantes e auxiliar idosos e pessoas com crianças a chegarem ao Santuário Senhor do Bonfim.
Como nos anos anteriores, a Prefeitura de Itabira, através da Secretaria Municipal de Saúde, cedeu uma ambulância com uma enfermeira para acompanhar os caminhantes e ficar à disposição durante o evento.


Este ano, como nos anteriores, a Festa de Santa Cruz foi prestigiada pela comunidade local.

Lá estavam, por exemplo, Izabel Jesus de Castro e Geraldo Gomes, ex-zeladores da capela, e Domingos Arsênio, 78 anos, neto de Sá Chiquinha, que cuidava do primeiro cruzeiro instalado no Morro Redondo.
Várias personalidades também participaram, como o prefeito Damon Lázaro de Sena, o vice-prefeito Reginaldo Calixto, o administrador distrital de Ipoema, Luiz Carlos de Souza, a presidente da Câmara Municipal de Bom Jesus do Amparo, Inês Santos, e o diretor de Ferrosos Sudeste da Vale, Antônio Padovezi.

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